16 de dezembro de 2003

"UMA BRECHA NA MURALHA DA HIPOCRISIA"
... disse, neste tom vindo de outras eras mais combativas, um dirigente partidário, a propósito da despenalização do aborto. Pode ser que tenha razão.
Há dias li a notícia que um grupo de mulheres, auto-intituladas uma coisa que se me varreu, mas que não era "Mães de Bragança", veio a público sugerir que se "recuasse ainda mais na lei". Argumentavam que quem defendia a despenalização não estava a favor das mulheres. Presumia-se que estavam a favor da libertinagem. Que as putas que tinham engravidado por gozo e falta de cabeça, tinham mais era que aguentar com as consequências. Não se referiam aos casos de violação ou de malformação do feto, mas percebia-se que era para trazer tudo cá para fora. Amado ou não amado. O que interessava era que "estava feito". Enfim, não vou falar sobre isso porque me desperta o lado mais irracional e sou capaz de desatar a ser malcriado e a defender que ir abrir as pernas a Londres por milhares de libras não é diferente de utilizar a mão-de-obra local. Mas dizer isto não seria muito útil.
Digo apenas que das várias mulheres que conheci e que foram forçadas a abortar, todas o fizeram com dor. Física e sobretudo psicológica. Todas carregaram a culpa consigo. Todas prefeririam não ter de o fazer. Mesmo se elas se encontravam em situação economicamente difícil, ou se eram jovens estudantes, ou se o feto que traziam seria filho do homem que as abandonara e que fora a casa para se deitar com elas, antes de partir novamente... Nenhuma o fez por leviandade.
As mulheres no tribunal de Aveiro e os médicos fazem muito bem em não responder. As (poucas) que saírem à rua para gritar a hipocrisia desta lei, também fazem.
Se os arguidos forem condenados que cumpram a pena injusta. Ninguém escolhe o momento histórico em que vive. E este nem sequer é dos mais bárbaros. Dos mais hipócritas, provavelmente.
Mas não nos peçam que nos calemos.

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